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A pressa não é sua amiga
Mas a persistência é uma grande aliada
Eu terminei meu primeiro manuscrito com dezoito anos, no meio de uma aula de Psicologia Comportamental na UFMS, ao mesmo tempo em que uma das minhas melhores amigas terminava o dela. A gente não tinha tempo o suficiente para escrever em casa, então trabalhávamos nos nossos livros durante aquela aula em específico, porque era a que achávamos mais fácil.
Nunca publiquei o livro. A minha amiga também não publicou o dela. Nem ao menos me formei em Psicologia, meses depois eu largaria o curso e me mudaria para Florianópolis para fazer Letras na UFSC.
Mas eu terminei. Depois de anos começando coisas e largando-as pela metade, aquela foi a primeira vez em que senti a alegria de terminar uma história original. A conquista foi minha, porque o livro nunca será compartilhado com o mundo, mas bastava que apenas eu pudesse ter aquele livro. Que ele existisse.
Eu e a minha amiga imprimimos nossos livros e os encadernamos no xerox da faculdade. Tenho o meu guardado até hoje, com anotações em canetinha colorida. É uma daquelas coisas que eu salvaria num incêndio.

O tal manuscrito e seus comentários de canetinha colorida. (Em verde é da minha amiga)
Às vezes sou tentada a chamar esse livro de “meu bebê” só porque foi o primeiro, mas aí me lembro do que a Elizabeth Gilbert escreveu sobre isso. É que, na verdade, eu sou o bebê dele, não o contrário.
Seu trabalho criativo não é seu bebê; aliás, o mais plausível seria que você fosse considerado o bebê dele. Fui formada por tudo que já escrevi. Cada projeto me amadureceu de uma maneira diferente. Sou a pessoa que sou hoje precisamente graças ao que produzi e ao que minhas produções fizeram de mim.
O segredo dos escritores prolíferos
Comecei a edição de hoje falando sobre isso porque, olhando para trás, acho que foi com esse livro que comecei a me considerar de fato uma autora. Nos anos seguintes, eu ainda teria muita dificuldade em conciliar a escrita com as minhas outras responsabilidades, demoraria para concluir outro manuscrito, mas aquilo foi um início, um ponto de partida.
Ontem eu estava assistindo a uma entrevista por live da V. E. Schwab, uma das minhas autoras favoritas, e ela comentou que, apesar de lançar muitos livros, fica anos trabalhando em uma única história. Segundo ela, as pessoas sempre ficam surpresas com isso. Tanto livro lançado, e ela fica cinco anos num mesmo manuscrito? O segredo, ela diz, é estar sempre trabalhando em algo.
Eu não sou a V. E. Schwab e não almejo ser, ela é ela, eu sou eu, mas é sempre muito inspirador descobrir coisas sobre as rotinhas e as formas de trabalho de outros autores. Adoro traçar paralelos. Eu, por exemplo, descobri que sempre estar trabalhando em algo é mesmo revolocionário, que é uma ótima forma de existir no mercado editorial. Seja no indie ou no tradicional, eu não funciono na base da pressa, mas sim da persistência.
Isso fica evidente analisando o meu contador de palavras do Notion e fazendo um balanço desses últimos meses.

Os primeiros sete meses do ano em escrita.
Censurei o nome de um dos meus projetos, porque ele ainda é segredo, mas basta dizer que de janeiro até maio eu trabalhei em um único livro (que eu tinha começado a escrever em outubro ou novembro de 2024). E, mesmo assim, esse foi um dos livros que escrevi mais rápido.
Metade do meu total de palavras escritas em todo o semestre foi de janeiro, meu mês de férias do trabalho como professora da Educação Básica. Aí a gente já tem uma varíavel muito importante a se considerar: o CLT. Nos meses seguintes, outro ponto a ser observado: eu entrei na última etapa do manuscrito, que costuma ser a mais difícil para mim. E depois não escrevi mais nenhuma história nova, só trabalhei no que já existia, fosse editanto esse projeto secreto ou voltando a minha atenção para As Novas Românticas, que eu já tinha lançado no Wattpad e vou publicar em novembro na Amazon.
O que me deixa orgulhosa, no entanto, é perceber que mesmo com variações, altos e baixos, eu continuei trabalhando em algum projeto sem parar durante todo o ano. Podia estar escrevendo ou editando, não importa, mas eu consegui algo que vinha tentando fazer há anos, que era inserir a escrita na minha rotina. Ou, para ser mais precisa, criar uma rotina de escrita sustentável.
Eu não larguei o meu emprego e comecei a viver de escrita, mas houve sacrifícios. Este ano, por exemplo, reduzi muito a minha carga de trabalho na escola e, consequentemente, precisei adaptar as minhas necessidades a um salário menor. Não é algo que eu conseguiria fazer ano passado, e tento ser bem aberta em relação a isso para evitar comparações.
A rotina de cada autor é diferente. Temos responsabilidades distintas no dia a dia, cada um precisa ver onde a escrita se encaixa. E, às vezes, uma rotina de escrita pode ser impossível no momento.
Estou compartilhando essa parte da minha produção porque, como eu disse, acho sempre muito produtivo termos essas trocas enquanto escritores (e sei que muita gente que assina a Newsletter também escreve). Não é sobre competitividade, e sim sobre acalento. Adoro traçar semelhanças e diferenças entre o meu processo e o de outros autores. No geral, faz com que eu me sinta menos sozinha. Como se, mesmo em lugares diferentes do mundo, a gente ainda fosse colega de uma mesma firma.
E, se você por acaso não é escritor, espero que isso dê uma luz de como as coisas funcionam. Nunca esperem um livro meu assim, rapidinho. Se digo que comecei a trabalhar em um projeto, vou ficar com ele por um tempo. Se falo que terminei um manuscrito, ele ainda vai descansar por alguns meses e depois irei revisitá-lo com calma. Se lanço um livro, quer dizer que ele já exisitia há pelo menos um ou dois anos.
No mundo atual, em que a gente está sempre falando sobre produtividade e comparando a nossa rotina com o que imaginamos que é a rotina do outro, eu acho importante vir aqui e ressaltar a importância da calma. Às vezes, você não precisa lançar um livro todo ano. Não é uma corrida. Aproveite o processo. São clichês porque é verdade.
O coração do trabalho do escritor é a escrita, então eu queria que a gente pudesse ser mais gentil com essa parte da jornada. Sem pressa para chegar ao fim de um manuscrito, para liberar aquela história para o mundo. Ela tem mais a nos oferecer se pudermos passar mais tempo com ela.
Percebi que o que produzimos nem sempre é necessariamente sagrado só porque acreditamos que seja. O que é de fato sagrado é o tempo que passamos trabalhando no projeto, a maneira como esse tempo amplia nossa imaginação e como essa imaginação ampliada transforma nossa vida.
O meu manuscrito na gaveta que o diga! Eu adoro aquela história, mas ela não foi feita para ser publicada. Ela foi feita para ser o primeiro livro que eu terminei.
Vejo vocês no futuro 💕
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