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Chappell Roan, representatividade sáfica e o espaço que ocupamos

Domingo eu fiz uma coisa pela primeira vez: fiquei até tarde assistindo à premiação do Grammy. Não é nada demais, imagino que muita gente faz isso todo ano, mas eu sou o tipo de pessoa que prefere dormir cedo e, na manhã seguinte, só ver o resumo do que aconteceu nas premiações do mundo da música e do cinema. Então o que mudou, você me perguntaria, para me fazer ficar e assistir a coisa toda?

Bom, eu abri a transmissão e a Chappell Roan estava cantando. Se tem uma coisa que me faz sentar a bunda no sofá e prestar atenção, é a Chappell.

Chappell Roan performando Pink Pony Club no Grammy

Mas, se eu for elaborar essa resposta, a realidade é que eu me envolvi com toda a performance da premiação, o que inclui as apresentações dos artistas e também os discursos de cada um que recebia o prêmio. Foi tudo muito emocionante, não só ver a Chappell Roan levar o prêmio de Artista Revelação, mas também presenciar o instante em que a Beyoncé finalmente levou o AOTY e assistir ao show que a Doechii deu na vez dela de se apresentar.

Focando apenas na Chappell Roan só para os propósitos deste texto, eu fiquei muito emocionada vendo o discurso dela, em que ela fez um apelo para as gravadoras apoiarem artistas que estão no início da carreira, e foi como se um filme passasse na minha cabeça com todos os outros momentos em que ela usou do seu tempo diante de um microfone para defender aquilo em que acredita e chamar a atenção para as lutas de outras minorias.

Como uma cantora lésbica e drag queen, só de estar ali a Chappell já faz muito. Não é à toa que tanta gente tenha problema com o fato de ela simplesmente existir e ter sucesso. Acontece que ela não se contenta com apenas ocupar aquele espaço enquanto uma figura, quase uma personagem do imaginário popular. Ela ocupa esse lugar como ela mesma, uma pessoa com opiniões, com causas que defende e até com as suas inseguranças. E quantas reprimentas ela já não sofreu por isso, né?

A Chappell frequentemente vira pauta nas redes sociais por seus posicionamentos, por não saber medir tão bem as palavras ou editar tanto o próprio discurso, por ser esquerdista demais até para a “esquerda” estadunidense, por ousar falar sobre o fato de que até astros do pop têm o direito de ter seus limites respeitados e por evidenciar como a fama, apesar de todas as coisas boas que traz, também pode ser bem prejudicial para a saúde mental de uma jovem cantora.

Acima de tudo, eu sinto que ela é um respiro de ar fresco para a indústria da música. Ela mostra que ser uma drag queen é político e não tenta se afastar desse aspecto da própria persona. Ao mesmo tempo, ela sempre parece muito humana, e já deixou claro que sua saúde mental é mais importante do que a opinião dos fãs. E é assim que tem que ser mesmo. Qualquer artista precisa saber cuidar de si — e inclusive saber pedir ajuda para cuidar de si — porque sem o artista não existe arte, e sem arte os fãs ficam sem nada de qualquer jeito.

A verdade é que eu nunca vou ter acesso à verdadeira Chappell Roan, à pessoa que existe por trás da artista, e tá tudo bem, porque eu não tenho direito a isso, a gente nem se conhece. O que eu vejo é aquilo que ela está disposta a colocar de si para o mundo ver, e só consigo admirá-la por defender os direitos das pessoas trans sem dar para trás, por lutar contra o genocídio na Palestina e por não abaixar a cabeça para paparazzis e gente sem noção. Ela me faz ter ainda mais orgulho de ser uma mulher que ama mulheres, porque ela mostra que ser queer vai muito além da sexualidade, que temos uma história e uma comunidade.

Agora, o que isso tem a ver comigo? O que tem a ver com a literatura e o mercado literário?

Bom, nada, provavelmente. Eu não sou e nunca serei uma artista com o alcance da Chappell Roan, a indústria da música é muito diferente do mercado literário e o máximo que posso fazer é sonhar que no futuro um dos meus livros seja adaptado para o cinema e tenha a Chappell na trilha sonora.

Mas acredito que acompanhar e ser fã das pessoas certas nos ensina muito, tanto em relação à forma como consumimos pessoas através das redes sociais (em vez de consumirmos apenas o trabalho delas) quanto como nós podemos repensar o jeito como nos posicionamos e ocupamos espaços, porque todos nós temos um espaço, mesmo que mínimo, para ocupar nesta vasta imensidão do mundo digital.

Algumas lições são mais difíceis de engolir do que outras. Por exemplo, dá para ver que ser uma artista que defende uma causa (ou mais de uma) e que não abaixa a cabeça é algo que cobra um preço alto em questão de aceitação do público e da indústria. E, além disso, também tem muitas consequências para a saúde mental. Todo ativismo requer bastante terapia, porque não é fácil bater de frente com a falta de interpretação de texto da galera e com os incels da internet.

Por outro lado, eu acho que a duras penas a Chappell está construindo uma relação mais saudável com a própria fama, e espero que isso tenha consequências positivas no futuro. Existe muita gente, como eu, que a admira justamente pelas coisas que tantos criticam nela, e isso também prova que sempre vai existir alguém para nos ouvir e nos enxergar, para abraçar o que estamos propondo, desde que saibamos que aquilo é autêntico e fiel ao que realmente acreditamos.

A diva colocando um papparazzi no lugar

Como uma autora que escreve majoritariamente romances sáficos, eu sempre estou pensando sobre o meu papel dentro dessa comunidade. Acredito que o que eu falo através das minhas histórias é mais importante do que qualquer declaração no Twitter, até porque já passei por períodos péssimos por escolher me posicionar em tretas bobas em que a minha opinião nem era tão necessária assim, mas isso não significa que só vou me comunicar através dos livros que publico. Ou seja, não vou parar de dar minha opinião na internet (para a tristeza de muitos e um pouco para a minha tristeza também). Mas é importante escolher as batalhas que valem a pena, e é um desafio diário deixar algumas tretas passarem para poupar as minhas energias para falar sobre os assuntos que realmente importam.

Autores nacionais são extremamente frágeis dentro do mercado literário, e é fácil a gente se diminuir, achar que nosso ponto de vista não é válido, mas a verdade é que os nossos livros não falam por si só sobre tudo o que é importante no mundo, e às vezes nós mesmos precisamos falar. Não importa se ninguém curte, se não gera engajamento. Vale a pena falar para lembrar que existimos e que resistimos não apenas em nosso nome, mas em nome de outras pessoas também.

Lembrando do discurso da Chappell no Grammy, eu também não posso evitar traçar um paralelo com os jovens artistas que estão começando como escritores. Penso muito nos autores independentes, como eu, e com quem não tem o apoio de grandes editoras e de agentes (como foi o meu caso por muito tempo, mas agora fico feliz que não seja mais, graças à Karol, minha agente maravilhosa).

É fácil cair nas garras de editoras que se aproveitam dos nossos sonhos. E também é fácil deixar a aprovação do público falar mais alto do que as nossas vontades, escrever mais rápido do que conseguimos só para não deixar os leitores na mão, ou lançar livros que ainda não estão de fato prontos por medo de perdermos a chance de tornar aquela história relevante. Somos nós por nós, muitas vezes, e quando menos esperamos já adoecemos com o peso de tudo.

Sobre o que enfrentou durante a pandemia, a Chappell comentou em seu discurso:

Foi desolador estar tão comprometida com a minha arte e sentir-me tão traída pelo sistema.

Já perdi a conta de quantas vezes eu me senti assim em relação à escrita e ao mercado literário.

Hoje em dia, eu tenho uma agente com quem contar, possuo uma rede de apoio e dependo de outro emprego para me sustentar além da escrita, porque ainda não consigo confiar só no sistema. Nós precisamos criar um sistema individual para sobreviver ao sistema do mercado literário como um todo, e isso não é justo.

Uma coisa é certa: a nossa saúde vem, sim, em primeiro lugar, e às vezes saúde significa descobrir como podemos ocupar nosso espaço de uma maneira que seja autêntica para nós, que nos deixe satisfeitos com o que estamos colocando no mundo (seja isso um livro ou uma opinião) e seguindo um ritmo que não nos quebre. Saúde significa valorizar nosso trabalho e também nos valorizar enquanto a pessoa que faz o trabalho.

Quem sabe assim a gente possa cobrar a valorização do nosso trabalho pelas editoras e até pelos leitores de forma mais efetiva, né? Assim como a Chappell Roan estava defendendo artistas, em especial jovens artistas, nós também temos a responsabilidade de lutar pelos direitos de autores e jovens escritores. É coletivo.

Últimas palavrinhas

Hoje o texto foi em um formato um pouco diferente, decidi vir aqui só para tirar umas caraminholas da cabeça, e amei! Talvez venham por aí mais alguns textos da Newsletter neste formato, então espero que tenha gostado também.

Em breve, quero voltar aqui com novidades incríveis sobre o que você pode esperar de mim como autora neste primeiro semestre de 2025.

Um abraço e até o futuro!

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